Ana do Vale
16 Jun
16Jun

Há monstros que nos são ensinados como deformidades. Outros nascem no silêncio, na dobra do que nunca foi dito. Ana Cândida, fotógrafa, escritora, filósofa e mulher autista, cria com o corpo e pela ausência. Não qualquer ausência, mas aquela que é enxerto, camada e interrogação. 


Em seu ensaio inédito para a Defiças, ela nos apresenta suas faces monstruosas — como quem se despe em um espelho feito de hiatos. “Penso que sou multifacetada, multicolorida”, afirma Ana. Seu monstro não assombra: colore. Escavando as estruturas do olhar biomédico que tentam nomear o autismo como falha, ausência ou silêncio, Ana devolve à ausência sua carne poética. O que vemos nas imagens é um corpo-em-transfiguração, em espasmos de tinta, em fragmentos de luz, em gestos que recusam ser didáticos. “Para apreender o entorno”, diz ela, “é preciso esparramar baldes e baldes de tinta para tingir o conteúdo e apreendê-lo em sua colorimetria”.